A Revolução Prateada

A Revolução Prateada é um fenômeno global e inédito na história da humanidade: o envelhecimento da população mundial e um espetacular aumento da longevidade

Nunca antes no planeta tivemos uma média etária tão elevada, e uma participação tão grande dos maduros (ou prateados) em relação ao total das populações.

As pessoas vivem cada vez mais e tem cada vez menos filhos, em todos os países, e a consequências óbvia disso tudo é o envelhecimento populacional.

Apenas como exemplo, vale destacar que a um século atrás a expectativa de vida era de meros quarenta anos de idade, e estamos hoje próximo do dobro disso, um índice que continua aumentando. Já existem cientistas que afirmam que estamos próximos de descobrir novas tecnologias que farão com que vivamos acima dos 150 anos, enquanto um deles (o britânico Aubrey de Grey) afirma que poderemos alcançar os mil anos num futuro breve.

No Japão, que é o país mais emblemático do fenômeno, a população sênior (50 anos ou mais) já representa a maioria da população e boa parte da Europa e dos Estados Unidos se aproximam do mesmo cenário.

O Brasil já tem hoje mais pessoas sêniores (50+ anos) do que jovens de 0 a 14 anos. Daqui a 15 anos, os brasileiros de 50 ou mais terão ultrapassado a faixa etária que compõe a maior parte dos trabalhadores de hoje, de 25 a 49 anos de idade. Tudo mudará.  A vida não começará aos 40 nem acabará aos 60.

Um mundo onde pela primeira vez na história da humanidade teremos mais seniores do que jovens. Não é futurismo, são dados.

E não se trata apenas de mais anos de vida, mas sobretudo de mais VIDA nos anos, ou seja, viveremos não apenas mais, mas viveremos com mais vitalidade física e domínio das capacidades cognitivas.

Esse fenômeno terá profundos impactos em todas as áreas,no mercado de trabalho, nas relações de consumo, no marketing, na economia, na cultura, na sociedade e nas políticas públicas.  Uma verdadeira revolução prateada.

Ao mesmo tempo, a despeito de sua importância e iminência, o tema parece absolutamente invisível para a sociedade em geral. É como se fosse um iceberg, gigante nas suas profundezas, mas quase invisível externamente. Os prateados não estão representados nos comerciais de TV, nas políticas de Recursos Humanos ou no debate público.

E quando estão, quase invariavelmente são de maneira caricata, como de frágeis velhinhos necessitados de cuidados especiais. Não deve ser coincidência o fato de que os “idosos” são graficamente representados por um ser corcunda e de bengalas. Um estereótipo que não cabe mais na realidade do mundo. As pessoas estão alongando seus ciclos de vida. Casando mais tarde, trabalhando por mais tempo, tendo sonhos e projetos por toda a vida, praticando esportes, fazendo sexo, e buscando o amor mesmo nas idades mais avançadas. Velho mesmo é toda forma de preconceito.

No momento em que escrevo esse texto Abilio Diniz tem oitenta anos de idade e dirige um dos maiores complexos de varejo do mundo. Richard Branson tem quase setenta e vive se enfiando em aventuras dos mais diversos tipos e nos mais ousados empreendimentos. Fernanda Montenegro, com 87 anos, é uma Deusa da dramaturgia brasileira. O filósofo austríaco Zygmunt Bauman morreu aos 91 anos de idade mantendo um raciocínio afiado sendo considerado um do mais argutos pensadores de sua época.

Bem menos conhecido do que todos esses, temos a figura do canadense Ed Whitman, que aos 84 anos de idade é um vitorioso corredor de maratonas.

Ed é um dos exemplos do que os cientistas vem chamando de super agers, ou seja, pessoas que estão chegando numa idade bastante avançada mas preservando ainda grandes capacidades físicas ou mentais.

Desafios e oportunidades

Claro que uma revolução demográfica dessa magnitude trará muitos desafios, boa parte do qual talvez ainda não estejamos preparados para enfrentar

Quais as consequências nos sistemas previdenciários de uma expectativa de vida tão alta em todo o mundo? E nos países que adotam o regime de contrapartida simples, na qual os mais jovens (ainda no mercado de trabalho) sustentam os aposentados, se a proporção de aposentados for cada vez maior em relação aos mais jovens?

E qual o impacto na indústria de saúde e nos sistemas públicos de proteção social, ja que existe uma clara relação entre aumento da idade e aumento dos gastos com saúde?

E o mercado de Trabalho ? Está preparado para absorver uma mão-de-obra cada vez mais madura, ao contrário do que se pratica hoje? Como será o relacionamento inter geracional no mercado de trabalho, com gaps etários que devem se tornar cada vez mais profundos?

Não estranha que há alguns anos tenham surgido nos EUA teorias catastróficas a respeito desse fenômeno, alguns chamando de Silver Tsunami, por exemplo, propagando os efeitos imprevisíveis e nefastos do aumento da população madura e o impacto nos sistemas públicos de saúde e na previdência.

Mas se existem desafios,resta mais do que óbvio que inúmeras são as oportunidades proporcionadas pela revolução prateada.

Quantos novos equipamentos, produtos ou serviços podem ser criados para esse segmento gigantesco do mercado?

Novos suplementos vitamínicos, aparelhos ou aplicativos para coletar métricas em tempo real da saúde do usuário, ou serviços de fisioterapia e musculação preventivos direcionados a esse público?

Fala-se muito em cidades inteligentes, acessíveis e sustentáveis, mas será que as cidades do futuro estarão preparadas para a demografia do futuro?

Quais os investimentos que poderão ser feitos na arquitetura urbana ou no mobiliário das residências?

No campo da Educação, as oportunidades são notáveis, já que é preciso reeducar e reinserir essa parcela da sociedade na dinâmica do mundo atual. E certamente esse é um desejo também dos prateados, querem aprender novos conhecimentos, se manter ativos, sentirem-se úteis para a sociedade.

E no mundo do Marketing, que até hoje sempre priorizou nas suas simbologias o mito colorido da juventude, quantas oportunidades não existirão para as empresas que souberem se comunicar com esse público? Não com propagandas etárias, caricatas, mas talvez justamente com abordagens inetárias, “agelesss”, já que nem mesmo os prateados querem se ver representados como “velhos”.

Nunca é demais lembrar que, a despeito de toda a importância e atenção que se deve dedicar as novas gerações de consumidores, a maioria dos jovens ainda não possui um padrão de renda consolidado. Lançam tendências e aderem à novidades, é verdade, mas quase sempre consomem essas tendências e novidades com o dinheiro dos pais, que normalmente são prateados.

Portanto, quando se trata de poder de consumo, os prateados valem ouro.

E se os prateados possuem uma fatia maior da renda, eles também possuem um estoque considerável do ativo mais raro e valioso do mundo contemporâneo: tempo livre. Apesar das promessas de que a tecnologia nos liberaria mais tempo, o fato é que estamos cada vez mais afogados em multitarefas e estímulos de todo tipo. Não sobra tempo para nada.

Mas o segmento prateado tem um grande estoque de tempo livre, que poderá utilizar para buscar conhecimento, fazer trabalho voluntário, exercer atividades pontuais e, principalmente, se dedicar a atividades de lazer. Não é coincidência o fato desse segmento ser um grande filão para a indústria do turismo em todo o mundo.

E por fim, a constatação mais óbvia: talvez o maior fardo existencial que carreguemos nas nossas costas é a certeza da morte, da finitude da vida. Saber que no futuro poderemos prolongar cada vez mais nossa experiência nesse admirável planeta azul é sempre uma oportunidade a se comemorar.