Economia prateada assume o protagonismo

Economia prateada assume o protagonismo

Nem tudo na economia é ouro. Os consumidores da longevidade mostram que a “prata” dos cabelos brancos é que vem ditando a nova transformação no mercado mundial.

“A revolução da longevidade está impactando todos os mercados, em todos os países”. A informação é da jovem Layla Vallias, que fala com propriedade sobre o assunto, como coordenadora do Tsunami60+, maior estudo sobre a chamada Economia Prateada e raio-x do público maduro no Brasil, com entrevistados entre 55 e 90 anos de idade e que em 2021 se internacionalizou para a América Latina. É ela também quem define a poderosa Economia da Longevidade, ou a “silver economy”, que se constitui na soma das atividades do mercado voltado para as necessidades de pessoas com 50+, envolvendo tudo o que é consumido por este público na atualidade e o que virá a consumir no futuro. “Hoje, esse nicho representa quase R$ 2 trilhões em consumo anualmente no Brasil, e 15 trilhões de dólares no mundo. Se a gente juntasse esse ‘silver monney’, ou dinheiro prateado, o Brasil já seria a terceira maior economia do mundo, logo atrás da China e dos Estados Unidos”.

Mercadóloga de formação, com especialização em marketing digital pela Universidade de Nova York e co-fundadora do Hype50+ (consultoria de marketing para o consumidor maduro), Layla Vallias estuda os impactos da longevidade desde 2015 e tem dados avalizados que demonstram as relevantes transformações da conquista de uma vida cada vez mais longa. “Quando se fala em Economia da Longevidade, sem o recorte etário, englobando produtos e serviços que possibilitem ao ser humano viver mais, a soma do consumo prateado chega a 38 trilhões de dólares anuais, somente nos Estados Unidos, e já representa de 20% a 30% de todos os mercados. A estimativa na Alemanha, por exemplo, é que, neste ano de 2022, 50% do consumo no país serão de pessoas com mais de 50 anos. Então, não é precipitado nem exagero dizer que essa verdadeira revolução está mexendo com o mundo”.

Olhando ainda mais para o futuro, Alexandre Corrêa Lima, também especialista em pesquisas e demografia, fundador do Portal Revolução Prateada (que estuda e promove a Economia da Longevidade) e CEO da Mind Pesquisas, prevê que o segmento de consumidores 50+ será o de maior crescimento em todo o planeta, fruto de uma nova configuração populacional: pessoas que vivem cada vez mais (e com mais qualidade de vida) e famílias que têm cada vez menos filhos. “Na maioria dos casos, o consumidor maduro possui uma renda pessoal maior, assim como uma afluência financeira e patrimonial, porque normalmente as pessoas atingem posições mais altas e melhor remuneradas na carreira após os 40 ou 45 anos de idade, e ao longo do tempo conseguem amealhar algum patrimônio, obtendo a possibilidade de se dar alguns ‘luxos’ que não poderiam ter na juventude, como viagens ou produtos diferenciados”.

Formado na Escola Avançada de Pesquisa de Mercado na University of Geórgia (EUA), Alexandre Corrêa Lima tem feito diversas viagens pelo mundo, pesquisando o tema da Economia da Longevidade, estudando iniciativas pioneiras e as tendências demográficas que impactarão o mercado e a sociedade. Ele compartilha sua experiência e o resultado de seu trabalho por meio de palestras e no seu portal ‘Revolução Prateada’, bem como em seu livro “Longevidade Inteligente – como se preparar para uma vida de 100 anos”, lançado em 2020. “Esse é caminho é irreversível, por causa de uma dupla conjunção que o favorecerá: em números absolutos, teremos cada vez mais consumidores maduros, e em números relativos, eles responderão por uma fatia cada vez maior do PIB brasileiro. Não reconhecer isso será de uma miopia imperdoável”.

Comunicação assertiva com o consumidor

Arthur Igreja – co-fundador da plataforma AAA Inovação, escritor e colunista da Rádio CBN

Certamente o crescimento da economia prateada não deixa mais dúvidas, não apenas pelos números das pesquisas realizadas no Brasil e outros países, mas também pelo comportamento observado no próprio mercado, diretamente nos pontos de compra e venda, sejam eles em lojas físicas ou plataformas de produtos online. Porém, analistas do setor econômico, do direito do consumidor e do marketing apontam para a necessidade de mudanças que valorizem de fato essa fatia do consumidor. Arthur Igreja, co-fundador da plataforma AAA Inovação, escritor e colunista da Rádio CBN, lembra que o envelhecimento se acelera muito no Brasil. “Quem acordar antes para esse tema, vai se posicionar melhor e conseguirá se comunicar de maneira mais assertiva. O futuro é de empresas que consigam se conectar com essa fatia”. Ele ressalta ainda a inevitável mudança de comportamentos e conceitos. “Tempos atrás as pessoas chegavam aos 60 anos com sérias dificuldades, muito em virtude da natureza da economia que era braçal. Hoje, a maioria chega nos 60+ em plena forma, trabalhando com economia criativa. Esse é um mercado fantástico”.

Para tentar melhorar esse cenário, Arthur Igreja afirma que é fundamental valorizar e colocar foco no consumidor prateado, que em geral tem mais estabilidade, previsibilidade, tempo disponível e está totalmente integrado ao mundo digital. “Existe um longo caminho para a redução do preconceito com essa faixa etária, inclusive no mercado de trabalho brasileiro, que considera pessoas velhas as que têm acima de 40 anos. Isso precisa ser revisto. É necessário entender que a Economia Prateada veio para ficar e vai crescer mais. Essa parcela será dominante em breve e o país precisa se ajustar à nova realidade”.

Mestre em Administração pela Universidade Federal de Minas Gerais, com formação no programa Leaders of Learning – Harvard, fundadora e diretora da Rede Longevidade, Michelle Queiroz Coelho também sabe que o Brasil deve tomar medidas para impulsionar a parcela prateada da população. “É urgente compreender que a longevidade deve partir de um pressuposto mais integrado do que apenas cuidar da saúde física e mental dos 50+, que é fundamental, mas não é a única necessidade para a faixa etária. Também é preciso cuidar das relações, das finanças, da segurança, da cultura e educação, enfim, todas as questões da formação de um indivíduo”.

Michele Queiroz Coelho atua ainda como professora universitária há 17 anos e é conselheira do International Longevity Centre no Brasil, além de coordenar o programa FDC Longevidade na Fundação Dom Cabral. Segundo ela, o real entendimento do cenário atual e um maior diálogo com esse público são essenciais à sociedade, aos governos e à iniciativa privada, para que entendam a importância da nova expectativa de vida ao nascer. Ao mesmo tempo, faz uma pergunta provocadora: quantas vezes, na sua educação infantil, ou mesmo na faculdade, você discutiu o tema da longevidade? “O fato de que vamos viver mais tempo deveria ser a nossa maior causa, independentemente de onde nascemos ou da nossa condição socioeconômica, se temos alguma deficiência ou não, da nossa identidade de gênero, o que for. Todos vamos envelhecer. Se não envelhecermos é porque vamos morrer cedo. Então, se a idade é uma condição que nos une, a longevidade também deveria ser uma preocupação de todos nós”.

Chega de preconceito

Alexandre Corrêa Lima – fundador do Portal Revolução Prateada

Apesar da relevância do segmento prateado, ele ainda parece invisível para o mercado e para a sociedade, talvez por acreditarem que o Brasil continua sendo o ‘país jovem’ das décadas anteriores, ou ainda porque o mercado da publicidade – com frequência gerenciado por brilhantes mentes jovens, que não conhecem ainda os meandros do amadurecimento – cultua o simbolismo da juventude, ou mesmo por vieses culturais que associam o processo de envelhecimento apenas com decadência e perda de potência, o que está muito longe de ser verdade. O fato é que, ao olhar 10 anos no espelho retrovisor, vemos que muita coisa mudou e para melhor. Cada vez mais marcas precisam se conscientizar da importância dessa faixa etária, que será cada vez maior”. – Alexandre Corrêa Lima, especialista em pesquisas e demografia, fundador do Portal Revolução Prateada (que estuda e promove a Economia da Longevidade) e CEO da Mind Pesquisas.

 

Layla Vallias, mercadóloga e co-fundadora do Hype50+

“É necessário começar a olhar de verdade para o público que tem mais de 50, 60, 70, 80 anos, reconhecer que ele existe e trabalhar de forma estrutural no combate ao preconceito etário. Isso porque, na base de toda a invisibilidade há o idadismo e o ageismo, ou seja, o preconceito que impede que a pauta chegue nas mesas de trabalho. Assim, quanto mais informações concretas tivermos e mais análises de dados fizermos, conseguiremos comprovar com fatos o que essa parcela da população já representa, o que consome, o que deseja e o que sonha” – Layla Vallias, mercadóloga e co-fundadora do Hype50+ (consultoria de marketing para o consumidor maduro).

 

 

Michele Queiroz Coelho, fundadora e diretora da Rede Longevidade

“É importante perceber e respeitar também a pluralidade das velhices. Existem diversos perfis de pessoas idosas, que vão circular ao mesmo tempo pela sociedade, mas que vão requerer demandas diferentes. Umas mais ativas, mais autônomas, outras mais dependentes, pessoas com poder aquisitivo maior ou menor, mas todas demandando produtos, serviços e soluções específicas. Em nenhuma delas cabe o preconceito da sociedade ou do mercado. Essas pessoas vão viver mais tempo e ter demandas específicas, que precisam ser contempladas, desde ferramentas para reinventar suas carreiras, pacotes para viajar e outras formas de lazer, assim como serviços que incluem cuidados especiais, medicamentos, assistência médica e adaptação de suas moradias” – Michele Queiroz Coelho, fundadora e diretora da Rede Longevidade.

 

 

Conexão digital e compras online

Entre as imagens que precisam ser modificadas está a ideia de que o consumidor prateado ainda faz suas compras apenas ou preferencialmente nas lojas com instalações físicas. Cada vez mais conectados, os maduros invadiram definitivamente a internet e vêm despertando interesse de empresas com e-commerce em todo mundo. O estudo da Tsunami8 Latam, conduzido pelo Data8, núcleo da Hype50+, em parceria com o Opinion Box e Pontes, entrevistou mais de 17 mil pessoas no Brasil, Argentina, Chile, Colômbia, México, Peru e Uruguai. O resultado é de que dois terços dos consumidores latinos da geração prateada consumiram produtos vendidos pela internet no último ano. Entre os produtos mais comprados em todos os países estão eletrônicos (38,4%), remédios e medicamentos (34,2%), alimentos e bebidas (33,7%), roupas e acessórios (33,2%), eletrodomésticos e utensílios para a casa (32,1%). No caso especial do Brasil, analisado na pesquisa, 95% dos usuários na faixa etária de 60+ possuem um smartphone e 31% conhecem novas marcas pelas redes sociais.

Mais exigentes e em busca da satisfação

Pesquisa realizada pelo Serviço de Proteção ao Crédito e pelo portal de educação financeira “Meu Bolso Feliz”, com pessoas acima de 60 anos, nas 27 capitais do país, mapeou o perfil e o comportamento de consumo da população da terceira idade brasileira, destacando-se, entre os relevantes resultados:

  • Os idosos têm mudado suas prioridades de consumo com o passar do tempo e 41% deles afirmam gastar mais com produtos que desejam do que com itens relacionados a necessidades básicas da casa.
  • Aproveitar a vida é considerado, por 66%, como a grande prioridade. Nesse mesmo sentido, para 49% dos idosos ouvidos, ao chegar na terceira idade, aproveitar as oportunidades do consumo é mais importante do que poupar.
  • Os principais fatores que determinam a compra pela terceira idade são atendimento, conforto, localização e condições especiais de pagamento.
  • Embora representem um nicho promissor, o mercado brasileiro parece não estar plenamente preparado para atender às demandas desses consumidores. Pelo menos 45% dos entrevistados afirmaram enfrentar dificuldades para encontrar produtos destinados ao público da sua idade. Essa impressão é mais notada pelas mulheres (47%) e pelas pessoas entre 70 e 75 anos (51%).

Atendimento humanizado

Na percepção dos consumidores da terceira idade, os estabelecimentos pecam no fator humano do atendimento. Entre as críticas, destacam-se: a falta de interesse e entusiasmo na venda; a falta de empatia e acolhimento ao cliente; a falta de espaço para agregar valor humano ao momento da compra; funcionários aproveitam pouco os diferenciais das marcas; atendentes não olham para o cliente, não fazem um cumprimento e não sorriem. Pesquisa “Hipermercados e Supermercados no Brasil”, conduzida pela Shopper Experience.

*Texto publicado originalmente site Mundo Coop.

 

 


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